ester garcia
Crédito: Reprodução Instagram @estter_sol

Conheça a história da jovem que voltou a escutar após 7 anos

A estudante perdeu a audição ainda criança: “ainda tenho muito pelo que lutar”

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Essa é uma daquelas histórias dignas de virar um filme com final feliz!

Ester Garcia, de 22 anos, enfrentou preconceito, bullying e agressões físicas, além de ter que conciliar estudos, trabalho e os cuidados de um pai alcoólatra – tudo isso enquanto driblava os desafios de ser surda num país não-inclusivo para os deficientes auditivos.

Graças a um implante auditivo, a estudante de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais pôde voltar a escutar após sete anos de surdez.

“Nunca quis fazer o implante para conseguir ‘consertar’ algo em mim. Não me importo em ser surda. […] Decidi fazer o implante pois sabia que a sociedade é capacitista e, escutando novamente, eu poderia ter mais forças e acesso à inclusão para lutar contra a sociedade preconceituosa”. Leia o relato completo que a jovem concedeu ao jornal O Globo:

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“Comecei a perder minha audição por volta dos 11 anos. Na escola, me chamavam e eu não respondia, comecei a sentir dificuldades em ouvir minha própria voz, em ouvir música. Um dia, observando um passarinho cantando me dei conta que não escutava ele, mesmo sabendo que ele estava ali, cantando. Repeti meu nome naquele instante em voz alta, e não escutei minha voz de maneira clara. Nesse momento percebi que precisava procurar ajuda.

Com muito custo e mesmo já trabalhando na época (era babá) juntei dinheiro e paguei uma consulta com uma fonoaudióloga particular. Depois do primeiro exame ela me disse que eu tinha perda bilateral severa e que, possivelmente, eu iria perder mais minha audição. Os aparelhos eram caros, me assustei com os preços e sabia que seria impossível comprar naquele momento. Sempre tive uma origem humilde.

Naquele dia, naquele momento, saí do escritório dela chorando como nunca. Para mim, minha vida tinha acabado. Para mim, eu estava entrando em processo de me desconectar do mundo. Ouvir era tão essencial pra mim. Quando estava triste, o que me levava para cima era a música. Eu amava ouvir Racionais, amava música como ninguém.”

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“Dediquei toda a minha dor nos estudos, mesmo que sozinha, mesmo na solidão

Na escola, perdi amigos, alguns alunos riam, zoavam, e tive até a cabeça enfiada em um vaso sanitário. Eu era a ‘estranha’, era alvo de piadinhas e de agressões físicas, me vi sozinha, era difícil me comunicar.

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Eu não entendia nada que os professores falavam, pensei em desistir dos estudos, largar a escola. Cheguei a ter uma overdose de medicação, quase morri. Eu não sabia Libras, e estava aprendendo a fazer leitura labial. Me mudei de escola diversas vezes até conseguir ir para uma escola onde me sentisse ‘incluída’.

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Por onde eu ia, uma amiga de infância ia comigo, ela se sentava do meu lado e ia repetindo palavra por palavra dos professores. Eu estudei nas madrugadas, nos fins de semana, a qualquer momento. Eu não queria perder nenhuma informação. Eu queria estudar. Dediquei toda a minha dor nos estudos, mesmo que sozinha, mesmo na solidão. Junto com o diagnóstico de surdez, veio a depressão.

Aos 16 anos, procurando um trabalho, fiz uma entrevista para trabalhar em um projeto que tinha como objetivo incluir jovens com deficiência no mercado de trabalho. Lá conheci minha educadora social, Cristiane, que me ensinou tudo que sei hoje sobre inclusão. Ela me incentivou a aprender Libras, me incentivou a não desistir e enxergou capacidade em mim.

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Não foi fácil lidar com tanta desigualdade

Com muito foco e dedicação, aprendi Libras, trabalhei durante cinco anos nesse projeto, ensinei, aprendi, conheci outros surdos, conheci a comunidade surda, e passei a me olhar com mais amor, me aceitei.

Antes, dizer ‘EU SOU SURDA’ era tão difícil. Eu tinha preconceito comigo mesma e não sabia. E somente no último ano do ensino médio, estudando minha vida toda em escolas públicas, eu consegui uma intérprete. No dia que vi a intérprete entrando pela sala de aula, eu entendi que não era nem o começo da minha jornada. Eu tinha muito pela frente.

Trabalhava oito horas por dia, estudava longe, cuidava de um pai alcoólatra e com demência, e mesmo assim me dedicava ao meu sonho, cursar Direito. Meu pensamento era: ‘Sou pobre, da periferia, com deficiência, ou eu consigo uma bolsa 100%, ou não estudo!’ Nunca fiz cursinhos, não tinha como pagar, estudei no ônibus, no horário de almoço, nas madrugas, fins de semana, tudo para me preparar para o Enem. Chegava a dormir quatro horas por dia, mantive constância no meu sonho. Fiz o Enem, e quando vi meu nome na lista da UFMG, para o curso de Direito, eu chorei de felicidade. Tinha muito tempo que eu não sorria. Fui para a faculdade de Direito. Não foi fácil lidar com tanta desigualdade. Tive medo, mas não desisti. Encontrei professores maravilhosos, encontrei professores apavorados em ter uma aluna surda, mas não desisti.

Decidi fazer o implante pois sabia que a sociedade é capacitista

Durante todo esse trajeto, perdi minha audição TOTALMENTE. Minha perda de severa foi para profunda. Perdi minha audição e perdi meu pai. Ele veio a falecer. Foi um momento de grandes perdas. Veio a pandemia. Nela começaram os estudos a distância, fiquei desempregada, e uma luz no fim do túnel apareceu pra mim: a oportunidade de estagiar em um escritório que possui um diferencial enorme.

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Conheci o Rafael Lacerda, sócio e fundador do escritório. Rafael não se importou em ter uma estagiária surda, não pediu laudos, não falou sobre. Ele apenas acreditou em mim. Durante esse percurso, de ser uma mulher com deficiência, eu entendi que a vida era muito mais difícil para o PcD.

Passei por momentos de agressões físicas, verbais, preconceito, exclusão, solidão e foi através dessas infelizes experiências que entendi que precisava levar minha voz para aqueles que passavam pelo mesmo. No escritório onde trabalhava, com auxílio de um dos advogados, Raphael Becker e do meu chefe, Rafael Lacerda, comecei a travar a luta para conseguir fazer o implante.

Nunca quis fazer o implante para conseguir ‘consertar’ algo em mim. Não me importo em ser surda. Amo Libras, amo a comunidade surda. Não existe problema nenhum na pessoa ser surda, em não escutar. Decidi fazer o implante pois sabia que a sociedade é capacitista e, escutando novamente, eu poderia ter mais forças e acesso à inclusão para lutar contra a sociedade capacitista e preconceituosa. Eu enxergo diariamente a luta e a dor dos meus amigos que também são PcD.

No momento que ouvi o primeiro som, eu tive a certeza que nada, nem ninguém era capaz de me parar

Foram dias de ansiedade, de espera, de dor, e o momento do implante chegou. Recebi apoio daqueles que estiveram comigo desde o começo, o escritório, a Cristiane.

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No dia 11 de janeiro de 2022, fiz a cirurgia e, no dia 17 de fevereiro de 2022, ativei (o implante). No momento que ouvi o primeiro som, eu tive a certeza que nada, nem ninguém era capaz de me parar. Chorei de felicidade. Chorei, pois sabia que eu poderia dessa forma ajudar mais na luta contra o capacitismo.”

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“Hoje eu escuto minha voz. Depois de sete anos em completo silêncio, hoje a escutando me fez querer escutar a voz de cada um que passa ou passou pelo mesmo. Eu quero lutar por um mundo com menos preconceito, por um mundo mais inclusivo.

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Se informem, ajudem, lutem conosco pois não é fácil. A luta é de TODOS!

Minha luta começou aos 11, e não terminou agora aos 22 anos. Ainda tenho muito pelo que lutar. Ainda tenho muita informação para dar. Sou grata por todo esse processo, mesmo que dolorido. Sou grata à Cristiane, sou grata ao escritório Lacerda Diniz Sena, sou grata por não ter desistido.

Assim como tive pessoas ao meu redor que não faziam ideia de como era um mundo para os PcDs e mesmo assim ajudaram, espero que mais pessoas possam fazer isso. Se informem, ajudem, lutem conosco pois não é fácil. A luta é de TODOS. Eu devo tudo isso a Cris, e ao Rafael Lacerda, que me adotaram de coração e cuidaram de mim!”

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Veja o vídeo do momento em que Ester escuta a voz da mãe:

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