Sentir culpa por errar na criação dos filhos é mais comum do que se imagina. Bons pais costumam refletir sobre atitudes que tiveram no passado com os pequenos e que, hoje em dia, fariam diferente.
Isso é bom, pois é o caminho para evoluir e se tornar um pai ou mãe melhor. Por outro lado, é importante saber lidar com o sentimento de culpa por algo que não pode mais ser mudado ou que está com dificuldade de mudar.
Sobretudo neste período de pandemia, a pressão sobre os pais é grande para encontrar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Claro que nem sempre dá para gerenciar tudo como gostariam. Aliás, é quase impossível.
A grande questão é aceitar isso e focar em fazer o melhor, ao invés de se arrepender todos os dias por não atender às próprias expectativas.
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Uma pesquisa sobre a culpa e vergonha que os pais sentem
Para Cynthia Wang, professora clínica de administração e organizações da Universidade do Noroeste, nos Estados Unidos, sua experiência pessoal despertou o interesse pelo estudo da vergonha parental.
Wang e sua equipe de pesquisa – formada por profissionais de universidades do Reino Unido e dos EUA – são pesquisadores e pais. E, embora valorizem suas carreiras e seus filhos, todos eles sentem muita pressão para que sejam pais e funcionários perfeitos.
Então, eles decidiram examinar o que acontece quando pais que trabalham sentem que não estão atendendo às expectativas sociais de equilibrar bem a família e a casa.
Inicialmente, os pesquisadores pediram a centenas de pais que trabalham que respondessem uma pesquisa online para determinar sua estabilidade emocional e sua capacidade de lidar com situações estressantes antes de começar o dia de trabalho.
Depois, eles pediram aos participantes que avaliassem o quanto eles concordavam com afirmações como “alguém observou meu papel como pai de forma negativa”.
Wang e sua equipe tinham o objetivo de encontrar a “ameaça da identidade parental”, que descreve a forma como os pais se sentem quando seu papel como cuidador é ameaçado pelas exigências da carreira e o equilíbrio entre ambos torna-se insustentável.
“A ameaça da identidade parental é algo que acontece no trabalho e faz você questionar se é um bom pai”, explica ela. “Um colega de trabalho pode perguntar, por exemplo, quem cuida do seu filho quando você trabalha até tarde ou a escola do seu filho pede voluntários para acompanhar uma excursão, mas você não pode comparecer porque será no seu horário de trabalho. Esses casos fazem os pais sentirem vergonha.”
Para evitar a culpa, a vida profissional perde o foco
A pesquisa indicou que, quando os pais sentiam altos níveis de ameaça à sua identidade parental, eles também relatavam níveis mais altos de vergonha e menores níveis de produtividade.
“Quando os pais são críticos sobre a forma como eles próprios criam seus filhos, o resultado é o abandono das situações que acionem esses sentimentos de vergonha – ou seja, eles se afastam das suas responsabilidades no trabalho”, afirma Wang.
“Ao distanciar-se do trabalho, os funcionários tentam gerenciar a culpa sinalizando que eles não permitirão que o trabalho prejudique suas tarefas como pais. Assim, eles não podem ser julgados por se dedicarem mais ao trabalho que aos seus filhos.”
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A busca pelo equilíbrio
Para Naomi Murphy, professora de psicologia da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido, cuja pesquisa concentra-se na vergonha parental, tornar o local de trabalho um ambiente melhor para que os funcionários possam equilibrar suas carreiras e o cuidado com os filhos deveria ser prioridade para os empregadores.
“Os empregadores deveriam iniciar discussões para reconhecer que o seu funcionário está lidando com circunstâncias mais complexas da vida no momento e incluir isso no contexto de uma série de eventos que precisam ser gerenciados por diferentes pessoas em momentos diversos, como o luto, problemas de saúde ou o envelhecimento dos pais. A maioria das pessoas tem filhos ou sofre uma ou mais dessas circunstâncias em algum momento e compreenderá o sofrimento de um funcionário que está lutando contra a culpa.”
Já Cynthia Wang afirma que encontrar fortes redes de apoio ou mentores emocionalmente estáveis pode ser uma forma de ajudar os trabalhadores a reduzir a sensação de vergonha parental, mas existe também muito trabalho a fazer sobre a reformulação da noção de vergonha.
“A sociedade impõe muita pressão para que os pais que trabalham sejam ‘perfeitos'”, afirma ela. “Acho que a compreensão de que nenhum pai ou funcionário é perfeito pode ser útil. Pesquisas indicam que, quando os indivíduos que enfrentam uma tarefa estressante sabem que suas emoções negativas não são prejudiciais, mas sim benéficas, eles demonstram menos vergonha e até realizam melhor suas tarefas.”
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Fonte: BBC Brasil