Infelizmente, as músicas machistas fazem parte da cultura brasileira. Tanto é que, mesmo as mulheres, cantam e dançam as músicas que denigrem a imagem delas, sem perceber que isso ajuda a preservar as raízes do machismo.
Pode parecer que isso não muda nada, mas é combatendo esse tipo de coisa que, aos poucos, os males da sociedade vão se dissolvendo até desaparecer. Mas para isso, pessoas reconhecidas pelo público precisam dar o primeiro passo para darem o exemplo.
Foi o que fez Chico Buarque, ao se recusar a continuar cantando uma de suas músicas devido ao cunho machista que era “normal” na época da composição. A música em questão é “Com açúcar, com afeto”, um dos maiores clássicos de seu repertório, composta em 1967.
Chico revelou que essa canção foi composta a pedido da cantora Nara Leão. “Ela me pediu a música, me encomendou essa música, ela falou ‘Eu quero agora uma música de mulher sofredora’. Canções do Assis Valente, Ary Barroso, aqueles sambas da antiga, onde os maridos saíam para a gandaia e as mulheres ficavam em casa sofrendo, tipo “Amélia”, aquela coisa. Ela encomendou e eu fiz”, explica o compositor.
Claro que, na época, não havia esse tipo de interpretação crítica como existe hoje. Mas, Chico dá razão às mulheres que enxergam o machismo nas músicas e acreditam que as canções populares têm poder de incentivar algo tão prejudicial quanto o machismo.
“É justo que haja, as feministas têm razão, vou sempre dar razão às feministas, mas elas precisam compreender que naquela época não existia, não passava pela cabeça da gente que isso era uma opressão, que a mulher não precisa ser tratada assim. Elas têm razão. Eu não vou cantar ‘Com açúcar, com afeto’ mais e, se a Nara estivesse aqui, ela não cantaria, certamente.”
Características de um homem machista: você sabe reconhecer?
As músicas machistas de antigamente
Embora a atitude de Chico Buarque seja louvável, a lista de músicas machistas de antigamente é interminável. E não só machistas, também sexistas, homofóbicas e racistas sempre foram populares.
Não porque antigamente todas as pessoas achavam certo, mas achavam normal porque não havia vez nem voz para as minorias sequer refletirem sobre o que estavam ouvindo.
Os exemplos são de todos os estilos, do samba ao rock, nacional e internacional. Veja aqui uma pequena lista com link para você clicar e ouvir atentamente as letras:
“Mulata Assanhada” (1968), Elza Soares
“Preto de Alma Branca” (197?), Tião Carreiro & Pardinho
“Minha Nega na Janela” (1979), Gilberto Gil e Germano Matias
“Silvia” (1995), Camisa de Vênus
“O Rock das Aranha” (1980), Raul Seixas
Amor de Malandro” (1929), Chico Alves
“Faixa Amarela” (1999), Zeca Pagodinho
Músicas machistas não são coisa do passado – veja como ajudar a combater
A lista de músicas machistas do tópico anterior inclui composições que vão de 1929 a 1999. Mas não começou e nem parou por aí.
Hoje em dia ainda surgem muitas composições machistas e preconceituosas, e essa cultura também está ligada à falta de interesse e conhecimento da população em geral, que ouve música sem entender ou prestar atenção no que está ouvindo.
A diferença é que, hoje em dia, com a internet, as pessoas interessadas têm formas de buscar conhecimento e deixarem a ignorância para trás. Elas têm acesso à informação democrática, por meio de diversos sites, blogues, redes sociais e canais no YouTube.
É nessas mídias que estão os grupos que falam sobre a MMPB – Música Machista Popular Brasileira. Existe, inclusive, um site voltado a denunciar as músicas machistas, abrindo um debate sobre o quanto elas ajudam a preservar essa cultura abominável do machismo, ainda que de forma indireta.
O site foi criado por quatro mulheres dispostas a tornar popular o debate sobre as músicas machistas.
Segundo uma delas, a diretora de arte Rossiane Antúnez, 27 anos, a ideia já existia e o estopim para botar o projeto no ar foi a polêmica em torno de “Só Surubinha de Leve”, do MC Diguinho, em janeiro de 2018. A música foi acusada de fazer apologia do estupro e retirada de plataformas de streaming.
Entretanto, o site já conta com um acervo de mais de 100 canções. “O objetivo é totalmente direcionado a esses questionamentos que estamos propondo, que se fazem cada vez mais relevantes e necessários”, disse em entrevista à Universa.
Veja alguns exemplos de partes de músicas machistas para você começar a prestar mais atenção e selecionar melhor as canções que escolhe ouvir. Não pense só na “batida” pra dançar, mas também na letra – que pode estar ofendendo você, e você está permitindo.
“Só Surubinha de Leve” (Mc Diguinho) “Taca a bebida, depois taca a p*** e abandona na rua”
“Vidinha de Balada” (Henrique e Juliano) “Eu só vim te falar. Tô a fim de você. E se não tiver, cê vai ter que ficar. Eu vim acabar com essa sua vidinha de balada e dar outro gosto pra essa sua boca de ressaca”
“Trepadeira” (Emicida) “Arrasa bi…scate. Merece era uma surra de espada de São Jorge. Um chá de comigo-ninguém-pode”
“Lacradora” (Claudia Leitte) “Copo na mão e as inimigas no chão. Copo na mão e as inimigas no chão. Claudinha lacradora dando nas recalcadas. Enquanto a gente brinda, elas tomam pisão”
“Vai, faz fila” (MC Denny) “Vou socar na tua b*** sem parar. E se você pedir pra mim parar, não vou parar. Porque você que resolveu vir pra base transar. Então vem cá, se você quer, você vai aguentar.”
“Ciumento eu” (Henrique e Diego) “Tem uma câmera no canto do seu quarto. Um gravador de som dentro do carro. E não me leve a mal se eu destravar seu celular com sua digital. Eu não sei dividir o doce. Ninguém entende o meu descontrole. Eu sou assim não é de hoje. É tudo por amor”.
Se quiser fazer parte desse projeto e ajudar a combater as músicas machistas do Brasil, acesse o site do MMPB e vá ao rodapé da página, em um dos botões: “Envie uma música” ou “Entre em contato”.
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