Muitos garis pelo Brasil fazem parte do grupo de pessoas que não pôde parar de trabalhar durante a pandemia. E o trabalho não é fácil. Eles precisam lidar com o perigo oferecido pela falta de cuidados das pessoas na hora de descartar o lixo. Muitas vezes há vidros quebrados, seringas contaminadas, facas e outros objetos que colocam em risco a saúde e até a vida desses profissionais.
A exaustiva vida de um gari
Quem conta mais sobre essa realidade é o gari Alisson Furtunato, de 31 anos, em uma entrevista ao R7. Nos últimos 4 anos, Alisson precisou ir ao hospital 2 vezes por causa desse tipo de acidente de trabalho.
Quando isso acontece, o gari deve ir ao hospital receber um coquetel retroviral durante um mês para reduzir o risco de contrair HIV. No caso dele, deu tudo certo, apesar do inconveniente que atrapalha o serviço e a vida de modo geral.
Um gari acaba achando normal ficar com cicatrizes pelas mãos e braços, pois infelizmente faz parte do trabalho, embora pudesse ser evitado se as pessoas colaborassem. O trabalho de um gari conta com uma jornada que vai de 10 a 16 horas ao longo de 35 quilômetros correndo atrás do caminhão. Precisa ter resistência em todos os sentidos!
A rotina durante a pandemia
Mesmo assim, Alisson sabe que faz um trabalho digno como qualquer outro, e que precisa disso para levar o sustento para casa. Ele recebe cerca de 2 salários mínimos e sustenta 4 pessoas. Mas, a preocupação do gari não é essa. O que faz com que ele saia de casa com medo todos os dias é o risco de contrair o coronavírus e passar para os filhos e a esposa, já que precisou continuar trabalhando durante a pandemia.
“Esse vírus ninguém sabe direito os riscos. Todo mundo está com medo”.
Junto com os 3 colegas de trabalho, todos os dias Alisson respira um ar poluído que vem da nuvem de lixo repleta de micro-organismos, os quais ele nem tem como saber quais são. E isso quer dizer que pode ser coronavírus também, além de outras doenças.
A forma que eles têm para se protegerem é usando luvas especiais com materiais usados em blindagens. Mas, essas luvas não são totalmente fortes contra as perfurações. Além disso, eles não usam máscaras. Quando eles param para lavar as mãos e rosto é apenas no momento em que vão comer.
Outros empecilhos
Está conseguindo imaginar, pelo menos de forma superficial, como é ter uma jornada de trabalho como essa? E ainda ter de suportar pessoas passando por você e tampando o nariz? Totalmente desnecessário, mas é a realidade desses profissionais.
E ainda tem mais. Como qualquer outro ser humano, Alisson passa por problemas de saúde inesperados. Recentemente, ele teve de operar uma hérnia por conta do excesso de peso que carrega todos os dias.
De acordo com a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza), o volume de lixo doméstico deve aumentar 25% por conta do crescimento de resíduos produzidos nas casas durante a quarentena. E esses 25% a mais são sobre um alto volume. Os garis recolhem nada menos do que 1 mil toneladas de lixo por dia na cidade de Guarulhos.
E o risco só aumenta, pois assim como as pessoas passam a produzir mais lixo em casa, os resíduos hospitalares podem crescer até 20 vezes em volume. Ou seja, muito mais risco de recolher lixo contaminado por coronavírus e outras doenças.
Nessa entrevista que Alisson concedeu aos jornalistas do Câmera Record, que acompanharam um dia de trabalho dos garis, ele também mostrou o descaso das pessoas ao descartarem fraldas de bebês e geriátricas abertas, sem sequer fechá-las corretamente, e sacos abertos cheios de papel higiênico.
O risco é grande e real
Por causa do coronavírus, a Prefeitura de São Paulo pede que a população reforce o lixo com duas sacolas. A Abrelpe orienta que pessoas com suspeita de coronavírus parem de separar o lixo para reciclagem e descartem tudo num mesmo recipiente com sacolas reforçadas.
Para Jean Gorinchteyn, que é infectologista do Instituto Emílio Ribas, a situação de vulnerabilidade dos lixeiros é preocupante. “São pessoas que já estão sob risco desde a hora que saem de casa e enfrentam o transporte público”.
O médico Marcelo Otsuka, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que os lixeiros são profissionais em permanente risco de contaminação. “A preocupação deles deve ser o uso de luvas adequadas, sempre lavadas, e não deixar em contato com outras parte do corpo. As roupas sempre lavadas e, se possível, não levar pra casa ou já colocar direto no tanque quando chegar”, afirma.
A esperança ainda existe
Mas, apesar de todos os pesares, Alisson e os colegas sabem que muitas pessoas respeitam a profissão deles, pois compreendem a importante desse serviço para a saúde e o bem-estar de todos. Eles encontraram uma carta colada em um saco de lixo com uma mensagem escrita à mão: “Muito obrigado pelo serviço de vcs. Que Deus abençoe vcs e sua família também”.
Reportagem: R7