Essa pode parecer uma questão muito controversa, já que todo mundo conhece o nível de danos que o cigarro causa aos pulmões dos fumantes, inclusive dos passivos. Mas pode ser que haja algum sentido, de acordo com alguns cientistas.
A dúvida surgiu quando o artista britânico David Hockney escreveu uma carta ao Daily Mail dizendo que acreditava que fumar poderia proteger as pessoas contra o coronavírus. Ele disse: “não é possível que os fumantes tenham desenvolvido um sistema imunológico contra esse vírus? Com todos esses números divulgados, está começando a parecer-me assim”.
É claro que essa carta foi considerada desprezível por todos que tiveram acesso a ela. Ou melhor, quase todos.
Um dos principais especialistas em doenças infecciosas da University College London, o professor François Balloux, disse que há evidências “estranhamente fortes” de que isso pode ser verdade.
Para começar, é preciso analisar os dados coletados relativos às pessoas que foram internadas com covid-19 nos últimos meses. De acordo com estudos chineses, na China houve uma proporção bem menor de pacientes fumantes do que não fumantes (6,5% fumantes comparado a 26,6% não fumantes).
Também houve outro estudo, feito com mais de 7 mil pessoas que testaram positivo no Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, que apontou que apenas 1,3% dos pacientes eram fumantes contra os 14% de todos os americanos que o CDC diz que fumam.
Então, não quer dizer que os fumantes estejam protegidos contra o coronavírus, mas também não significa que estejam mais propensos ao contágio por causa do vício.
Também é preciso considerar que neste momento há muitos aspectos da doença a serem pesquisados, além do fato de que não é possível confiar 100% nos dados divulgados sobre os números de pessoas infectadas. Afinal, muitas delas estão doentes em casa e nem puderam fazer o teste. Portanto, nenhuma pesquisa teria um resultado bem próximo da realidade.
Ainda há muito mais médicos e cientistas que defendem o óbvio: os danos nos pulmões causados pela fumaça tornam os órgãos mais suscetíveis à falha. Tanto é que os governos do Reino Unido e dos EUA orientam que as pessoas parem de fumar para se protegerem do vírus.
Como as informações e opiniões ainda são muito controversas, outro estudo foi feito e publicado em abril por cientistas de Nova Iorque e Atenas, apontando mais uma vez a hipótese de haver menos fumantes infectados pelo coronavírus.
Este estudo analisou outros 13 estudos chineses que registraram o fumo como pré-condição e descobriu que o número de fumantes em toda a amostra de 5.300 pacientes era de 6,5%. Um número surpreendentemente pequeno no país onde metade de todos os homens ainda fuma.
Será que a nicotina pode mesmo ter um efeito benéfico contra o coronavírus?
Esse artigo publicado com base nos dados chineses não foi revisado por outros cientistas e admite que é baseado em dados limitados. Porém, os profissionais responsáveis, que são Dr. Konstantinos Farsalinos e Dra. Anastasia Barbouni, da Universidade de West Attica, em Atenas, e o Dr. Raymond Niaura, da Universidade de Nova Iorque, dizem que é possível que a nicotina e o coronavírus interajam com os mesmos receptores nas células dentro dos pulmões.
Eis a explicação: os cientistas sugerem que, embora o vírus cause danos nos pulmões ao esgotar o número de receptores ACE-2, o fumo pode aumentar o número deles, revertendo o efeito.
Dizem que os receptores ACE-2, encontrados nas células das vias aéreas e pulmões, funcionam como a porta do coronavírus para o corpo e facilitam a infecção.
Portanto, ter mais deles parece ser uma coisa ruim, mas os cientistas dizem que tem um efeito protetor nos pulmões e que baixos níveis estão ligados a danos mais graves causados pela infecção viral.
O estudo do Dr. Farsalinos foi compartilhado no Twitter pelo professor François Balloux, diretor do instituto de genética da University College London. Ele disse: “embora o desenho do estudo esteja longe de ser perfeito — e os autores estejam claros sobre suas limitações — as evidências de um efeito protetor do fumo (ou nicotina) contra o COVID-19 são estranhamente fortes (…) na verdade, muito mais forte do que qualquer medicamento testado nesta fase”.
Outro cientista, o francês Professor Jean-François Delfraissy, que lidera um conselho científico que aconselha o governo do país no covid-19, disse: “temos algo muito especial com o tabaco. Descobrimos que a grande maioria dos casos graves não é de fumantes, como se (…) o tabaco protegesse contra esse vírus via nicotina”.
Não há dados confiáveis para dar uma resposta
Mesmo havendo uma mínima hipótese de que realmente há menos pessoas fumantes infectadas, ainda é muito cedo para dar respostas e fazer qualquer tipo de orientação à população.
Até porque as pessoas não estariam preparadas para interpretar essa nova informação de forma ponderada, analisando os dois lados da moeda. Certamente, alguns começariam a fumar compulsivamente, como se esta orientação tivesse sido dada.
Portanto, a mesma recomendação que estava sendo dada, é a que prevalece. Órgãos governamentais afirmam que as pessoas não devem considerar a possibilidade de fumar protegendo contra a doença, o que pode ser fatal, especialmente para pessoas que já têm problemas de saúde.
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