Em muitas cidades brasileiras há tantas pessoas vivendo pelas calçadas que acabam virando cidadão invisíveis aos olhos de quem passa. Se for parar e observar, nem todo mundo está li porque quer (sim, alguns escolhem!). No caso de Ana Paula Rodrigues Gama, de 46 anos, essa foi a única saída que ela encontrou para proteger as filhas Tainá, de 6 anos, e Gabriela, de 8 anos.
Ana Paula vive atualmente na Avenida Graça Aranha, ao lado da Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro com suas duas meninas. A casa delas é uma lona que fica presa em uma marquise. Em fevereiro, a equipe de reportagem do Extra resolveu pedir permissão para entrevistar Ana Paula e conhecer sua história de vida, o que a fez viver na calçada com as filhas.
Conversando com a equipe, Ana Paula contou que, na verdade, ela tem uma casa na comunidade do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, na Zona Sul. Ou melhor, um projeto de casa que ainda está sem a estrutura adequada para proteger ela e as filhas dos tiroteios e das doenças trazidas pela falta de saneamento básico.
Pois é, viver na calçada é mais seguro do que na própria comunidade onde Ana Paula se criou. Ela conta que ainda falta muita coisa para que sua casinha fique pronta: encanamento, chuveiro, embolsamento, mureta de proteção para bloquear a água do valão e os ratos, sem falar das portas e janelas.
Mas, apesar dessa realidade que, para muitos, é inconcebível, Ana Paula faz o seu melhor, todos os dias. A rotina da família começa às 7 da manhã para que as meninas não percam o hábito de se levantar no horário em que antes da pandemia iam para a escola.
Desde que as aulas foram interrompidas, Ana Paula vai até a unidade regulamentar buscar o material didático para que as filhas estudem em casa. A mãe estudou até o sétimo ano da escola, então consegue ajudar as meninas nas atividades.
Além da rotina de estudos, as meninas tomam dois banhos por dia: de manhã, na garagem de um edifício próximo, a mãe enche um balde de água que serve para escovar os dentes e banhar. O segundo banho é à tarde, em um abrigo da prefeitura no Centro, onde as três também costumam almoçar.
Nos fins de semana, o lazer da família é ir à praia, ao Aterro do Flamengo “rolar na grama” ou à Estação da Praça XV para observar as barcas. Ana Paula conta que, para as meninas, tudo isso é como uma brincadeira. Elas ainda são pequenas, então não questionam muito o que está acontecendo.
Antes das filhas, a vida de Ana Paula era na comunidade Pavão-Pavãozinho, onde nasceu e se criou. Ela cuidava da mãe, que tinha câncer, até que ela faleceu, há dez anos. Ana tem irmãos na comunidade, mas cada um precisa cuidar da própria família. Ela tem também três filhos mais velhos, mas já estão crescidos.
As filhas de Ana Paula têm pais diferentes. Um deles contribui com R$ 50 de vez em quando, mas o outro nem aparece. Então a responsabilidade é só dela mesmo. Para conseguir algum dinheiro, a mãe vende água e paçoca. Ela recebe algumas doações e tudo o que junta, guarda para a construção da casa.
Trabalho em um estabelecimento é difícil de conseguir, não só por causa da pandemia, mas Ana acredita que não é contratada porque perdeu vários dentes, e isso dificulta muito.
Apesar de tudo, ela é uma mulher pra frente, perseverante. A calçada é o seu lar, o qual ela varre várias vezes ao dia para manter tudo limpinho para suas filhas. Essa mulher é a prova de que, não importa quanta dificuldade uma pessoa enfrente, nada é capaz de mudar um bom caráter e uma educação com valores.